terça-feira, dezembro 20, 2005

Cafés e memória para o futuro da Europa

O actual momento europeu é tema saturado em múltiplos ensaios, onde se tecem considerações sobre o futuro do continente e se questiona a identidade - alegadamente ameaçada - de uma Europa a braços com o alargamento. Poucos, no entanto, reúnem o brilhantismo teórico e literário deste pequeno volume agora editado pela Gradiva. As questões são recorrentes Como definir a ideia de Europa? Que significado tem falar de identidade europeia quando o caminho aponta no sentido da globalização de valores e mercados? Ou, como interroga Rob Reiner, "a Europa continua a ser uma boa ideia?". "Qual é realmente a importância e relevância política do ideal europeu de civilização?" Por fim - e este é o desafio -, como dar respostas, recorrendo o menos possível à abstracção? Começando, por exemplo, pelos cafés.

É isso que George Steiner faz em A Ideia de Europa, livro que recupera o texto - e o título - de uma palestra que o escritor proferiu no Nexus Institut de Amesterdão, durante a presidência holandesa da União Europeia, em 2004. "Enquanto existirem cafetarias, a 'ideia de Europa' terá conteúdo", escreve um dos homens que mais têm reflectido sobre a cultura europeia e que aponta o café como o primeiro substantivo a associar à ideia de Europa.

O café com todo o seu peso literário é início de um ensaio que faz a exaltação da cultura e da memória enquanto legado. "A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo (…). Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da 'Ideia de Europa'".

É o primeiro dos cinco axiomas apresentados por Steiner para definir a "ideia de Europa". "Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casanova, na Paris de Baudelaire, o café albergava o que existia de oposição política, de liberalismo clandestino". O segundo é a relação entre os europeus e a geografia que habitam, uma relação que encontra nas figuras do pedinte ou do peregrino a sua materialização, metáforas da caminhada que confere uma cadência propícia à teorização. "A Europa foi e é percorrida a pé", escreve Steiner, aludindo às longas marchas de que é feita a História da Europa e acrescentando "As belezas da Europa são inextricavelmente inseparáveis da pátina do tempo humanizado". Um "tempo" que remete para a lembrança, terceiro axioma europeu. O passado tornado sempre presente e gravado nas pedras que dão nomes de pessoas a ruas e praças.

Mas é na síntese de duas culturas, a de Atenas e a de Jerusalém, que Steiner encontra a singularidade da cultura europeia. "Muito frequentemente, o humanismo europeu, de Erasmo a Hegel, procura diversas formas de compromisso entre ideais áticos e hebraicos." E conclui "A 'ideia de Europa' é (...) um 'conto de duas cidades'."

Há, por fim, a "consciência escatológica" - o "pânico do ano mil" -, que, no entender de Steiner, é exclusiva do modo de ser europeu, "como se a Europa (..) tivesse intuído que um dia ruiria sob o peso paradoxal dos seus feitos e da riqueza e complexidade sem par da sua História".

Doseando um desencanto actual com algum optimismo futuro, George Steiner - judeu nascido em Paris em 1938- revela, por vezes, algum ressentimento face ao cristianismo. Um azedume pontual, antes de indicar um caminho para a Europa o do "humanismo secular". Como escreve Durão Barroso no prefácio da edição portuguesa (em Espanha o livro foi prefaciado por Mário Vargas Llosa), "a Europa tem na liberdade e na diferença (…) condição e garantia da sua diversidade". A ideia de Europa
in diario de noticias

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